sexta-feira, 18 de abril de 2014

É Essa a Páscoa Cristã?


Às seis da manhã todos já estão de pé. As malas, que já estavam prontas desde a noite anterior, são diligentemente condicionadas no porta-malas do carro da família. Os lanchinhos são preparados, o cartão de crédito na carteira é conferido. Os eletrodomésticos são tirados da tomada e o registro da água é desligado. Os vizinhos são avisados, para que olhem a casa e tratem os cachorros. Por fim, as luzes são apagadas. É hora de cair na estrada! Mas não antes de, com todo o cuidado, condicionar os chocolates, os ovos de Páscoa e os presentes num lugar especial dentro do carro. Tudo pronto para a viagem! 
Ignição acionada, e o carro, revisado há um mês, é ligado. Uma parada no posto de combustiveis para abastecimento, verificação de óleo e água, limpar o pára-brisa. Tudo ok! Em questão de minutos, a família já está fora dos limites de sua cidade, a caminho de se encontrar com os familiares. 
Depois de algumas horas de uma divertida e cansativa viagem, o carro pára na frente de uma casa. Dois segundos depois aparece uma senhora, provavelmente a mãe do motorista, que vem quase correndo em sua direção enquanto grita de felicidade, com um sorriso no rosto, e dá um abraço esmagador no filho, na nora e nos netos. Ela fala que os netos cresceram e estão bonitos, mas que precisam engordar. Então diz que está muito feliz por tê-los também para a Páscoa com a família.
Quando entram pela casa, ouve-se um estardalhaço de risadas, o barulho dos tapas nas costas, e o enroscar das roupas enquanto fortes abraços são dados. A alegria parece tomar conta do lugar. Primeiros encontros entre parentes desconhecidos, reencontros dos amigos de longa data. Tudo só aumenta a euforia e satisfação de se estar rodeado de pessoas especiais. Mas qual será o motivo de tanta alegria? Por que essa data é tão especial? Qual o motivo da festa?
É aí então que, no meio do som de tantas risadas, ecoam gritos de comemoração. A nora, silenciosamente, buscou no carro os presentes e os chocolates, alguns em forma de ovo, e os entregou à sogra, cunhados e sobrinhos. Quando os parentes viram os presentes, gritaram comemorando. Cada um ganhou uma cesta com doces dos mais caros e saborosos que há. Como forma de agradecimento, dão muitos abraços, e alguns retribuem dando a ela também alguns presentes. Mas continuo ainda sem entender o motivo dessa festa chamada Páscoa. 
Depois de se acostumarem com a presença uns dos outros, os outrora empolgados parentes ficam agora mais calmos. Alguns recebem ligações do serviço, outros vão ajudar a preparar o jantar. Outros entram nas redes sociais, e reclamam que o preço do Ovo de Páscoa está caro. Ao passarem por uma postagem de Páscoa com a imagem de uma cruz, não fazem nem questão de ver, muito menos curtir.
Chega a hora da janta. Todos estão famintos, embora alguns já estejam bêbados. Porém, alguém levanta a voz e diz que, para não cometerem um tipo de pecado, não será servida carne vermelha. O homem que já estava bêbado faz sinal com a cabeça, e concorda, dizendo que na sexta feira santa é pecado comer carne, e que as pessoas devem comer peixe, por que essa é a tradição. Todos concordam, mas não sabem explicar a razão. Ele mesmo diz que, por ser devoto, está fazendo jejum de Coca-Cola nos quarenta dias da quaresma, e que é por este motivo que está tomando cerveja. Ele parece acreditar que deve fazer algum sacrifício nessa época do ano.
Durante a janta, bacalhau e salmão são servidos com vários tipos de molho e tempero. É tão saboroso que nem parece ser um "sacrifício". O sabor de tais iguarias faz com que ninguém perceba ou sinta a falta de carne vermelha. Mas ainda me pergunto o porquê da reunião, e de quem é essa festa.
Depois da janta, enquanto as crianças disputavam entre si quem ganhou o ovo de Páscoa mais caro, alguém bate à porta da casa. Alguém manda que as crianças abram a porta. Quando abrem, dão gritos descontrolados e fazem cara de quem não está entendendo. Então entra na casa um coelho gigante, trazendo consigo muitas sacolas cheias de ovos de chocolate. Cada criança ganha um. Ao final, todas tentam descobrir qual dos tios está vestido de coelho. Ele sai correndo, sem que elas descubram. As crianças saem procurando todos os tios, para saber quem faltou. Aquilo gera um alvoroço na casa, e novamente o barulho das gargalhadas é contagiante. Por um instante me parece que esse coelho seja o motivo da reunião, a razão da festa.
A festa chega ao fim e é hora de voltar pra casa. As malas são refeitas, os abraços são novamente dados. Desta vez, porém, os ombros dos que se abraçaram saem molhados por lágrimas, como se soubessem que vão sentir saudades. Tudo pronto, e cada um parte para sua casa.
Na viagem de volta, como se tudo aquilo ainda não fizesse sentido, o menino pergunta ao seu pai: "Pai, o que é a Páscoa?". O pai, sem pensar duas vezes, responde, como se fosse óbvio: "Páscoa é a ressurreição de Cristo, meu filho!" Depois de pensar por alguns segundos sobre a resposta, o filho faz outra pergunta:"E porquê Ele não fez parte da nossa festa?"

As famílias reunidas ao redor das salas, acomodadas nos sofás ou em volta das mesas, ao som de risos, descontração e alegria, trocando presentes e abraçando umas às outras, comendo juntas do mesmo pão, mas o motivo não é Cristo.

É essa a Páscoa cristã?

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